Os Idosos também são gente

Cada vez mais idosos abandonados nos hospitais

24-02-2010 12:41

São cada vez mais os idosos que chegam aos hospitais com problemas de saúde e ali são abandonados a ocupar camas e a sofrer com este abandono que, em alguns casos, só acaba com a morte.

O Hospital Fernando Fonseca (Amadora-Sintra) contabiliza, pelo menos, um "caso social" por semana.

Trata-se de idosos que dão entrada na urgência hospitalar com problemas associados à idade ou situações crónicas agudizadas e que, após alta clínica, ninguém os vem reclamar.

Luís Cunha é o director do serviço de urgências do Hospital Fernando Fonseca e, em declarações à Agência Lusa, mostrou-se preocupado com esta situação, que traduz uma cada vez maior "desresponsabilização pelos idosos".

Uns chegam acompanhados por familiares - que depois nunca mais os vêm ver e muito menos buscar -, outros pelos serviços de emergência médica e, como vivem sozinhos, não têm condições para regressar a casa.

Outros ainda são deixados pelas instituições (lares) que alegam não ter condições clínicas para os acolher.

Chegam aflitos e assim permanecem, apesar de curados das maleitas físicas. Em alguns casos, como explicou Luís Cunha, ganham depressões por terem o discernimento suficiente para entender que foram abandonados.

Não é que falem sobre este abandono. Sentem-se envergonhados e cultivam o silêncio em redor deste assunto. Outros, os que estão inconscientes por causa das incapacidades físicas e mentais resultantes da doença que os conduziu ao hospital, estão livres da consciência deste desamparo.

O tempo invernal é, cada vez mais, sinónimo de mais hospitalizações de idosos que são particularmente susceptíveis ao frio e às infecções respiratórias.

Por esta razão, desde Novembro que tem aumentado o número de idosos internados e de altas clínicas que não são seguidas da natural saída do hospital e transformam os doentes em casos sociais.

O Hospital Fernando Fonseca não é o único a braços com este problema que agudiza a crónica falta de camas. No Hospital Curry Cabral, os casos sociais são uma verdadeira dor de cabeça para o presidente do conselho de administração.

Pedro Canas Mendes contou à Lusa que este hospital contabiliza dezenas de casos sociais, alguns dos quais com alta clínica há meses.

Tal como acontece em outras instituições de saúde, estes idosos dão entrada pelas urgências com as mais variadas causas, mas ali ficam porque ninguém os "reclama".

O Hospital Curry Cabral, em Lisboa, tem actualmente cerca de dez por cento das suas camas ocupadas com estes casos sociais.

Pedro Canas Mendes explicou que só graças ao trabalho das assistentes sociais se têm encontrado soluções para alguns destes casos, mas manifesta-se preocupado com as situações mais complicadas dos que "nunca vão sair daqui".

Estes casos sociais têm aumentado nos últimos dois meses - devido às condições atmosféricas e consequentes problemas de saúde - e o Hospital Curry Cabral começa a ficar sem grandes soluções para os resolver.

"Não os podemos pôr na rua, porque somos humanos e a nossa função é salvar vidas", disse.

Pedro Canas Mendes defende uma solução que passe por alternativas ao hospital e depositou confiança na rede de cuidados continuados que o governo está a criar.

Até lá, os profissionais vêem-se obrigados a acolher em macas doentes que poderiam estar em camas que estão ocupadas com casos sociais.

No Hospital de São João, no Porto, um quarto dos cerca de 450 doentes atendidos diariamente na urgência tem mais de 65 anos e esta percentagem tende a aumentar.

Em declarações à Lusa, o director do serviço de urgências, José Artur Paiva, afirmou que estes doentes chegam normalmente com doença aguda ou outras patologias que agravam o prognóstico de doença aguda.

De acordo com José Artur Paiva, uma significativa quantidade de doentes constitui, além de um problema clínico, um "problema social".

"São doentes sem um substrato familiar que os apoie e suporte as deficiências associadas à doença ou então são doentes cuja manifestação aguda da sua doença crónica faz transbordar a incapacidade da família para suprir o seu estado de saúde", explicou.

José Artur Paiva frisou que, "em certos casos, a família tem vontade, mas não consegue ajudar o doente", mas reconhece que, em outros casos, existe mesmo abandono.

Nos primeiros casos, o hospital activa o serviço social e procura encontrar uma solução. Nos casos de abandono, a unidade de saúde exorta a família a perceber o seu papel, explicou.

O director do serviço de urgências do Hospital de São João adiantou que, na maioria das vezes e devido às doenças que os afectam, principalmente do foro cerebrovascular, os idosos não têm noção de que são abandonados.

Em outros casos esta percepção existe. "A sensação do desamparo é duplamente terrível, pois a fragilidade da doença é acrescida da ainda maior fragilidade do abandono", disse.

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